Um romance uniu, em fins dos anos 50, dois mitos da sociedade mineira. O jogador de futebol, amante da noite, atreveu-se a se apaixonar pela mulher da zona boêmia, mais tarde transposta para a literatura, na pena ágil de Roberto Drummond. Ele, o atacante Paulinho Valentim, que começou a carreira no Atlético. Ela, a prostituta Hilda Furacão. Os dois viveram uma paixão ardente. Casaram-se. Adotaram um filho, de paradeiro desconhecido. De Belo Horizonte, seguiram para o Rio de Janeiro. Paulinho brilhou no Botafogo, que o vendeu ao Boca Juniors. Na Argentina, foi herói. Ela virou dama da sociedade. O fim da história, no entanto, foi triste. Aliás, há várias versões sobre os destinos do craque e da ex-meretriz.
A fama de Paulinho Valentim, jovem atacante arisco, habilidoso e goleador, corria pela Zona da Mata, naquele início de 1954. Após um jogo em Juiz de Fora, pelo time da terra natal, Barra do Piraí-RJ, ele foi procurado por Tupi, Sport e Tupinambás. Mas resistia a deixar a casa, pais, irmãos e, principalmente, a zona boêmia de sua cidade, onde era famoso tanto pela paixão que despertava nas mulheres como pelas brigas em que se metia. Justamente para afastar o filho das confusões, Quim Valentim, dono da banca de jogo do bicho local, decidiu levar o filho para Belo Horizonte, onde,.em seus tempos de zagueiro, formara com Kafunga e Florindo um dos mais famosos trios finais da história do Atlético, campeão dos campeões, em 1936. O garoto já encantou no primeiro treino, lembra o ex-dirigente José Ramos. O time ganhava um craque, demolidor de defesas, principalmente de América, Cruzeiro e Villa Nova. Ele caiu nas graças de torcida, companheiros e cartolas, que o tratavam como “jóia rara”. Morava sob as arquibancadas do estádio de Lourdes – hoje, o Diamond Mall. Mas, para se consolar das noites de solidão, Paulinho buscou refúgio na zona boêmia belo-horizontina. Freqüentava a Mauá, a rua do Comércio (hoje Guaicurus) e a boate Almanara, no ponto efervescente da cidade chamado de “Pólo Norte”. Sua fama na noite correspondia à dos gramados. Era um dos preferidos das mulheres. À época, começou-se a falar, na Mauá, de uma pernambucana baixinha, rechonchuda, de enlouquecer os homens. Paulinho decidiu conhecê-la. Tornaram-se amantes. Segundo dois veteranos jornalistas, Jáder de Oliveira e Jairo Anatólio Lima, o ídolo atleticano era o preferido de Hilda Furacão, com quem invariavelmente terminava as noites.
CASAMENTO - O romance começou a incomodar a diretoria atleticana. Não influía no rendimento do jogador, mas a paixão pela boêmia e pelo carteado, no qual esperava a amante terminar o expediente, contagiou companheiros de clube. O time caiu de produção e teve vários resultados negativos no Estadual. O título, que parecia certo, quase escapou. Atlético e Cruzeiro foram proclamados campeões em 1956, pelo Tribunal de Justiça Desportiva, após manobra dos cartolas cruzeirenses e de um repórter policial do Estado de Minas, Fialho Pacheco. Isso desagradava à diretoria atleticana, que repreendia seguidamente o atacante. De nada adiantou a tentativa de separá-lo de Hilda. E ele acabou brigando com os dirigentes. No mesmo ano de 1956, o Atlético decidiu vendê-lo. Ninguém queria dispensar o craque, pois isso significaria prejuízo, ainda mais com o clube em crise financeira. José Ramos, chamado a ajudar, foi ao Rio e conseguiu proposta do Botafogo: Cr$ 1 milhão (um milhão de cruzeiros).
O Galo, ao mesmo tempo, livrou-se de quem levava companheiros para a farra e encheu os cofres. No Rio, o artilheiro e a amante passaram a morar no bairro boêmio da Lapa. Decisão mal vista pelos dirigentes botafoguenses. Estes desejavam que ele largasse Hilda, o que o atleta considerava inadimissível. A solução foi o casamento. A cerimônia só não terminou em briga pela intervenção de um padrinho: o técnico João Saldanha, um dos responsáveis pela ida de Paulinho para General Severiano. Após o sermão, o padre tentou repreender Hilda, dizendo-lhe para largar a vida fácil, indigna de mulher de jogador do Botafogo, e procurar atividade “honesta”. Os padrinhos impediram um nervoso Paulinho de avançar sobre o religioso. Saldanha, com um sermão, advertiu o padre de que não era hora para tal papo. O jogador não queria mais o celebrante, mas foi convencido pelo técnico e a cerimônia, logo concluída. Hilda Furacão saía de cena, para se transformar na senhora Hilda Valentim.
RECORDE, SELEÇÃO E VALENTIA - Paulo Valentim repetiu, no Rio, a história de sucesso de Minas. Na decisão do Carioca de 1957, demoliu o Fluminense, com cinco gols na goleada por 6 a 2, em tarde de esplendor de Garrincha. Até hoje, é o maior goleador de uma final da competição. O casamento com Hilda prosseguiu, feliz. Continuavam a freqüentar a noite, onde estavam os amigos. O que ainda incomodava os dirigentes, embora menos. Mas a própria Hilda entendeu que aquela vida tinha de acabar. O casal abandonou a boêmia. E adotou um menino, agradando aos cartolas. O nome do jogador passou a ser cotado para a Seleção. Em 1959, ele foi convocado para o Sul-Americano, em Buenos Aires. Contra o Uruguai, o Brasil perdia por 1 a 0 no primeiro tempo, com Paulinho no banco, desanimado. Mas começou uma briga em campo e Chinezinho, grande amigo do botafoguense, foi agredido. Paulinho invadiu o gramado e bateu em vários adversários. Destacou-se no sururu, juntamente com Didi (com as “tesouras voadoras”) e Almir. A surra de Valentim foi cantada em prosa e verso. Para os brasileiros, uma espécie de vingança, ainda pela perda do título mundial de 1950, quando o Uruguai vencera o Brasil, de virada, por 2 a 1, no Maracanã, e pelo tapa, jamais comprovado, de Obdulio Varella em Bigode. Briga apartada, os uruguaios olhavam atônitos para Paulinho Valentim. Quem era aquele sujeito valente, que ousara bater neles? No segundo tempo, o estranho entrou e fez os três gols da vitória brasileira por 3 a 1.
APOGEU - A surra nos uruguaios, no Monumental de Núñez, despertou a atenção dos argentinos. E o Boca Juniors levou o brasileiro, que chegou a Buenos Aires carregado nos braços dos torcedores. Na primeira decisão contra o River Plate, Paulinho Valentim deu o título nacional ao time da Bombonera, ao marcar, de pênalti por ele mesmo sofrido, o gol da vitória por 1 a 0. O atacante virou herói local. E personalidade. Hilda Valentim, ex-Furacão, era uma dama reverenciada. O casal, assíduo nas colunas sociais dos jornais, foi recebido, com honras na Casa Rosada, pelo presidente Juan Domingos Perón. Nessa fase, Hilda teve grande influência na vida de Paulinho. Eram vistos sempre juntos, convidados para festas. Circulavam pela alta sociedade de Buenos Aires. Tratado como rei, o craque era dispensado, pelos proprietários, de pagar a conta em restaurantes e lojas. Comentou-se, à época, que ele de nada precisou para montar sua casa.
O FIM - O tempo passou e, com a idade, Paulinho já não conseguia jogar como antes. Surgiu a chance de ir para o Toluca, do México, onde o futebol era fraco e o atacante pensava em se manter em campo por mais alguns anos. Mas a altitude de várias cidades mexicanas foi forte adversária. Sem render, ele foi mandado embora. O orgulho bateu-lhe forte. Não queria voltar, fracassado, ao Brasil ou à Argentina. Ainda por cima, perdera tudo que ganhara em Buenos Aires, na compulsão pelo carteado. Hilda continuava a seu lado e dizia que poderia voltar a “fazer a vida”, se preciso. Paulinho não aceitou. A mulher também já não era jovem. Sua idade nunca foi conhecida, mas ela era mais velha do que ele. Mudaram-se para Acapulco. No balneário mexicano, Paulinho trabalhou duro no cais do porto. Adoeceu. Ficou tuberculoso. Sem que o marido soubesse, Hilda entrou em contato com dirigentes do Boca Juniors, em busca de ajuda. Comovidos, eles decidiram levá-los de volta a Buenos Aires, onde Paulinho ainda era ídolo da torcida boquense, eternamente agradecida pelo título nacional de 1959. Ele seria treinador das categorias de base do Boca. Mas a doença, em estado avançado, o impediu. O clube, ainda assim, lhe pagou casa, comida e tratamento. Em 9 de maio de 1984, morria Paulinho Valentim. No cemitério de Chacaritas, em Buenos Aires, descansa o herói de três apaixonadas torcidas.
LENDAS - São muitas as versões sobre o destino de Paulinho Valentim e Hilda Furacão, “vistos” em vários lugares, mesmo após a morte dele. Conta o técnico Carlos Alberto Silva que, numa passagem da Seleção Brasileira pela Cidade do México, em 1988, a caminho da Olimpíada de Seul, um homem atrás de uma árvore, em frente ao hotel, foi visto por alguns jogadores, que tentaram se aproximar, mas o estranho, que dizia ser Paulinho Valentim, desapareceu. Outra história é que ele morreu na miséria e foi enterrado em cemitério de indigentes, na capital mexicana.
A fama de Paulinho Valentim, jovem atacante arisco, habilidoso e goleador, corria pela Zona da Mata, naquele início de 1954. Após um jogo em Juiz de Fora, pelo time da terra natal, Barra do Piraí-RJ, ele foi procurado por Tupi, Sport e Tupinambás. Mas resistia a deixar a casa, pais, irmãos e, principalmente, a zona boêmia de sua cidade, onde era famoso tanto pela paixão que despertava nas mulheres como pelas brigas em que se metia. Justamente para afastar o filho das confusões, Quim Valentim, dono da banca de jogo do bicho local, decidiu levar o filho para Belo Horizonte, onde,.em seus tempos de zagueiro, formara com Kafunga e Florindo um dos mais famosos trios finais da história do Atlético, campeão dos campeões, em 1936. O garoto já encantou no primeiro treino, lembra o ex-dirigente José Ramos. O time ganhava um craque, demolidor de defesas, principalmente de América, Cruzeiro e Villa Nova. Ele caiu nas graças de torcida, companheiros e cartolas, que o tratavam como “jóia rara”. Morava sob as arquibancadas do estádio de Lourdes – hoje, o Diamond Mall. Mas, para se consolar das noites de solidão, Paulinho buscou refúgio na zona boêmia belo-horizontina. Freqüentava a Mauá, a rua do Comércio (hoje Guaicurus) e a boate Almanara, no ponto efervescente da cidade chamado de “Pólo Norte”. Sua fama na noite correspondia à dos gramados. Era um dos preferidos das mulheres. À época, começou-se a falar, na Mauá, de uma pernambucana baixinha, rechonchuda, de enlouquecer os homens. Paulinho decidiu conhecê-la. Tornaram-se amantes. Segundo dois veteranos jornalistas, Jáder de Oliveira e Jairo Anatólio Lima, o ídolo atleticano era o preferido de Hilda Furacão, com quem invariavelmente terminava as noites.
CASAMENTO - O romance começou a incomodar a diretoria atleticana. Não influía no rendimento do jogador, mas a paixão pela boêmia e pelo carteado, no qual esperava a amante terminar o expediente, contagiou companheiros de clube. O time caiu de produção e teve vários resultados negativos no Estadual. O título, que parecia certo, quase escapou. Atlético e Cruzeiro foram proclamados campeões em 1956, pelo Tribunal de Justiça Desportiva, após manobra dos cartolas cruzeirenses e de um repórter policial do Estado de Minas, Fialho Pacheco. Isso desagradava à diretoria atleticana, que repreendia seguidamente o atacante. De nada adiantou a tentativa de separá-lo de Hilda. E ele acabou brigando com os dirigentes. No mesmo ano de 1956, o Atlético decidiu vendê-lo. Ninguém queria dispensar o craque, pois isso significaria prejuízo, ainda mais com o clube em crise financeira. José Ramos, chamado a ajudar, foi ao Rio e conseguiu proposta do Botafogo: Cr$ 1 milhão (um milhão de cruzeiros).
O Galo, ao mesmo tempo, livrou-se de quem levava companheiros para a farra e encheu os cofres. No Rio, o artilheiro e a amante passaram a morar no bairro boêmio da Lapa. Decisão mal vista pelos dirigentes botafoguenses. Estes desejavam que ele largasse Hilda, o que o atleta considerava inadimissível. A solução foi o casamento. A cerimônia só não terminou em briga pela intervenção de um padrinho: o técnico João Saldanha, um dos responsáveis pela ida de Paulinho para General Severiano. Após o sermão, o padre tentou repreender Hilda, dizendo-lhe para largar a vida fácil, indigna de mulher de jogador do Botafogo, e procurar atividade “honesta”. Os padrinhos impediram um nervoso Paulinho de avançar sobre o religioso. Saldanha, com um sermão, advertiu o padre de que não era hora para tal papo. O jogador não queria mais o celebrante, mas foi convencido pelo técnico e a cerimônia, logo concluída. Hilda Furacão saía de cena, para se transformar na senhora Hilda Valentim.
RECORDE, SELEÇÃO E VALENTIA - Paulo Valentim repetiu, no Rio, a história de sucesso de Minas. Na decisão do Carioca de 1957, demoliu o Fluminense, com cinco gols na goleada por 6 a 2, em tarde de esplendor de Garrincha. Até hoje, é o maior goleador de uma final da competição. O casamento com Hilda prosseguiu, feliz. Continuavam a freqüentar a noite, onde estavam os amigos. O que ainda incomodava os dirigentes, embora menos. Mas a própria Hilda entendeu que aquela vida tinha de acabar. O casal abandonou a boêmia. E adotou um menino, agradando aos cartolas. O nome do jogador passou a ser cotado para a Seleção. Em 1959, ele foi convocado para o Sul-Americano, em Buenos Aires. Contra o Uruguai, o Brasil perdia por 1 a 0 no primeiro tempo, com Paulinho no banco, desanimado. Mas começou uma briga em campo e Chinezinho, grande amigo do botafoguense, foi agredido. Paulinho invadiu o gramado e bateu em vários adversários. Destacou-se no sururu, juntamente com Didi (com as “tesouras voadoras”) e Almir. A surra de Valentim foi cantada em prosa e verso. Para os brasileiros, uma espécie de vingança, ainda pela perda do título mundial de 1950, quando o Uruguai vencera o Brasil, de virada, por 2 a 1, no Maracanã, e pelo tapa, jamais comprovado, de Obdulio Varella em Bigode. Briga apartada, os uruguaios olhavam atônitos para Paulinho Valentim. Quem era aquele sujeito valente, que ousara bater neles? No segundo tempo, o estranho entrou e fez os três gols da vitória brasileira por 3 a 1.
APOGEU - A surra nos uruguaios, no Monumental de Núñez, despertou a atenção dos argentinos. E o Boca Juniors levou o brasileiro, que chegou a Buenos Aires carregado nos braços dos torcedores. Na primeira decisão contra o River Plate, Paulinho Valentim deu o título nacional ao time da Bombonera, ao marcar, de pênalti por ele mesmo sofrido, o gol da vitória por 1 a 0. O atacante virou herói local. E personalidade. Hilda Valentim, ex-Furacão, era uma dama reverenciada. O casal, assíduo nas colunas sociais dos jornais, foi recebido, com honras na Casa Rosada, pelo presidente Juan Domingos Perón. Nessa fase, Hilda teve grande influência na vida de Paulinho. Eram vistos sempre juntos, convidados para festas. Circulavam pela alta sociedade de Buenos Aires. Tratado como rei, o craque era dispensado, pelos proprietários, de pagar a conta em restaurantes e lojas. Comentou-se, à época, que ele de nada precisou para montar sua casa.
O FIM - O tempo passou e, com a idade, Paulinho já não conseguia jogar como antes. Surgiu a chance de ir para o Toluca, do México, onde o futebol era fraco e o atacante pensava em se manter em campo por mais alguns anos. Mas a altitude de várias cidades mexicanas foi forte adversária. Sem render, ele foi mandado embora. O orgulho bateu-lhe forte. Não queria voltar, fracassado, ao Brasil ou à Argentina. Ainda por cima, perdera tudo que ganhara em Buenos Aires, na compulsão pelo carteado. Hilda continuava a seu lado e dizia que poderia voltar a “fazer a vida”, se preciso. Paulinho não aceitou. A mulher também já não era jovem. Sua idade nunca foi conhecida, mas ela era mais velha do que ele. Mudaram-se para Acapulco. No balneário mexicano, Paulinho trabalhou duro no cais do porto. Adoeceu. Ficou tuberculoso. Sem que o marido soubesse, Hilda entrou em contato com dirigentes do Boca Juniors, em busca de ajuda. Comovidos, eles decidiram levá-los de volta a Buenos Aires, onde Paulinho ainda era ídolo da torcida boquense, eternamente agradecida pelo título nacional de 1959. Ele seria treinador das categorias de base do Boca. Mas a doença, em estado avançado, o impediu. O clube, ainda assim, lhe pagou casa, comida e tratamento. Em 9 de maio de 1984, morria Paulinho Valentim. No cemitério de Chacaritas, em Buenos Aires, descansa o herói de três apaixonadas torcidas.
LENDAS - São muitas as versões sobre o destino de Paulinho Valentim e Hilda Furacão, “vistos” em vários lugares, mesmo após a morte dele. Conta o técnico Carlos Alberto Silva que, numa passagem da Seleção Brasileira pela Cidade do México, em 1988, a caminho da Olimpíada de Seul, um homem atrás de uma árvore, em frente ao hotel, foi visto por alguns jogadores, que tentaram se aproximar, mas o estranho, que dizia ser Paulinho Valentim, desapareceu. Outra história é que ele morreu na miséria e foi enterrado em cemitério de indigentes, na capital mexicana.
Sobre Hilda, há três versões: está em Buenos Aires, vive na Cidade do México e foi para a Califórnia. A mulher que virou personagem de Roberto Drummond, transformada em série de TV e representada pela belíssima Ana Paula Arósio, sobrevive como mito.
(Texto de IVAN DRUMMOND – Jornal ESTADO DE MINAS de 20/04/2003)
(Texto de IVAN DRUMMOND – Jornal ESTADO DE MINAS de 20/04/2003)